“Muita coisa que o ente público deveria fazer, as igrejas fazem”
Por Paulo Pontes
Situada na Região Metropolitana da Grande Vitória, Cariacica possui uma área de 279,98 km², que corresponde a 0,60% do território estadual, e a sede do município fica a 15,8 quilômetros de Vitória, a capital do Estado. Segundo estimativa do IBGE em 2015 o município tem uma população de 381.802 habitantes, sendo 95% na área urbana.
Cariacica tem se destacado pelo pioneirismo em algumas ações. Por exemplo, foi o primeiro município do estado a aderir às 10 medidas de combate à corrupção, do Ministério Público Federal (MPF); e é o primeiro no país a criar uma gerência sócio-religiosa (Entidades Confessionais), para atender às demandas das igrejas, reconhecendo que elas são parceiras da municipalidade, e em certo sentido uma espécie de sensores da sociedade. Para saber mais sobre o assunto e informar à comunidade evangélica sobre o assunto, conversamos com o prefeito Geraldo Luzia O. Junior, conhecido como Juninho, e com o vice-prefeito Bruno Polez, que é pastor da Igreja Assembleia de Deus. Confira!
Prefeito, o senhor recebe pastores e líderes de diversas denominações evangélicas em seu gabinete para orações e cultos, e comparece a eventos do segmento. Também reconhece a ajuda das igrejas evangélicas no sentido de assistir à população de Cariacica em épocas de dificuldade. Isso mostra claramente que há uma aproximação da Prefeitura de Cariacica com a liderança evangélica. Como é, e o que caracteriza esse relacionamento do prefeito com os líderes evangélicos?
Sim. Primeiro que eu sou temente a Deus. E eu percebi ao longo da minha trajetória de vida, que as igrejas sempre tiveram um papel de extrema importância na sociedade com cunho espiritual. E chegou determinado momento que alguns políticos começaram a querer se aproveitar politicamente das igrejas e só em período eleitoral, então, eu me propus a fazer algo diferente: Reconhecer o trabalho das pessoas de bem, das lideranças que sempre buscaram transformar a realidade dos outros através da Palavra de Deus. A partir dessa aproximação, quando fui eleito, não poderia fazer diferente, tanto que o meu primeiro ato foi promover um culto em frente à Prefeitura. Nós saímos do comitê na hora do resultado em carreata e viemos para a frente da Prefeitura agradecer a Deus pelo resultado. E não houve outro tipo de festa, foi a primeira ação! Quem estava comigo naquele momento, viu que viramos uma página, e uma página de atitude, como autoridade constituída segundo a vontade do Senhor. Então a partir dali nós tomamos duas atitudes que eu acho que são fundamentais para que hoje nós estejamos onde estamos. Primeiro, abrir as portas do gabinete para as lideranças religiosas, e aí o povo evangélico sempre esteve muito presente. Temos cultos mensais, e quando eu digo cultos mensais é porque antes a gente começou com um e agora a gente tem no mínimo dois. Segundo, foi criar uma Gerência Sócio-Religiosa, com o nome oficial de Entidades Confessionais para estar em conformidade com a Constituição, onde está uma liderança religiosa que faz toda essa relação com todas as igrejas. Agora, uma igreja quando tem alguma necessidade na Prefeitura, não é necessidade política não, uma necessidade da Prefeitura, seja com o disque silêncio, seja de licença para construção, seja de ocupação temporariamente de um espaço na rua para um evento, seja com a vigilância sanitária, vai ao nosso gerente, que está à disposição para receber e para fazer o encaminhamento com as outras secretarias. Não precisa ir às Secretarias, vai à Gerência Sócio-Religiosa que a partir dali tem o encaminhamento e o respectivo retorno. Além disso, é uma coisa muito natural essa relação que tenho com as igrejas porque acredito muito, que quando a gente tem encaminhado as nossas crianças uma atividade esportiva, ou social, ou de projeto e uma igreja que ela segue, seja qual for, a partir dali a gente consegue trabalhar de uma forma muito mais coerente. Então quando estou nos projetos, com as crianças sempre pergunto se está na escola, e qual igreja que segue. Assim, temos conseguido avançar, e espero manter isso até o final do nosso mandato.
O senhor já se declarou temente a Deus. Mas o que o senhor espera dos pastores e da população evangélica de Cariacica? E o que os pastores e a população evangélica de Cariacica podem esperar do senhor?
Pastores e líderes evangélicos orando pelo prefeito Juninho, em seu gabinete. Eu acho muito mais fácil falar o que podem esperar de mim. Pode esperar cumplicidade, se a gente pode usar o termo. Sempre que posso, facilito muito a caminhada evangelística de qualquer liderança e do povo de Deus porque acredito que quando a gente consegue ser ouvido em lugares em que às vezes as pessoas não queriam nos ouvir, a gente consegue transformar vidas. É por isso que a gente melhorou muito essa relação de estrutura de palco, som, trio-elétrico, porque creio que a gente consegue levar um evento para a rua, para as vias públicas. Isso pode contar comigo sempre. A outra coisa é melhorar as estruturas de acesso às igrejas, e também melhorar essa relação do poder público com as igrejas e com os pastores. Hoje nós temos um canal onde eu sempre digo que o pastor é além de pastor. Porque as ovelhas que ali estão, elas têm problemas em casa, problema de emprego, saúde e segurança. E como que o pastor consegue fazer essa relação com o poder público se não tiver as portas abertas e uma ligação que possa ser mais rápida? É o que a gente provocou aqui em Cariacica. Então, hoje tem pastores que trazem questões que ele tem lá na igreja que são inerentes a questão espiritual, e ligada ao social, e a gente sempre dá vazão. A minha equipe sabe qual é a minha relação com as igrejas e com as lideranças. Temos muitos pastores envolvidos em diversas áreas da Prefeitura por conta dessa relação. É uma rua que deixou de ser acesso. Aquele ônibus que não está chegando mais. É um problema sim, que eu sempre costumo brincar, é a turminha do mal que está ocupando. Então assim, a igreja traz isso aí para gente. É uma via que pode se acertar, a gente acerta. É uma vaga de emprego que às vezes está lá disponibilizada e vem um pastor e fala se tiver a gente ajuda. E vou falar uma coisa que aconteceu com a gente aqui no início do nosso governo. Nosso município alagava para tudo quanto é lado até a gente começar a tomar as primeiras atitudes. Então fomos procurar espaços para colocar as famílias que estivessem em estado de alagamento. E eu disse que não queria escola e ginásio, então, começamos a procurar outros lugares. Sabe que lugares apareceram de forma espontânea e nós estamos com esse cadastro até hoje? As igrejas! É isso que eu espero do povo de Deus! É isso que eu espero dos pastores! É que no momento em que o poder público necessitar de um apoio, seja ele qual for, que eles estejam sempre ali disponíveis. E hoje, o principal apoio que eu espero é a oração! Isso é o que tem me fortalecido e me mantido de pé. Não só o prefeito, mas o cidadão Juninho. Então, o que eu espero do povo de Deus é a oração, porque o resto Deus proverá!
Cariacica é notícia na mídia nacional, no combate à corrupção. A que se deve esse destaque do município?
No Estado, o município de Cariacicafoi o primeiro município a ter a sua lei. Estamos trabalhando desde 2013. Criamos a secretaria de controle e transparência que não tinha na cidade. Conseguimos criar o conselho. Cariacica é a primeira cidade do Espírito Santo e a segunda do Brasil a regulamentar a lei de combate à corrupção da empresa limpa. Por isso que está dando toda essa repercussão da Lava-Jato, Petrobrás, Mensalão. Porque a lei foi criada e aí pôde investigar diretamente os empresários, coisa que antigamente não acontecia, era só o político. Percebemos que estávamos isolados aqui no Espírito Santo, e quem chegava muito próximo de nós era a cidade de São Paulo. Agora com o Ministério Público Federal abraçando as 10 medidas de combate à corrupção, conseguimos esse destaque. A discussão ficou muito mais ampla e eu me sinto hoje muito feliz porque a sociedade começou a falar sobre o tema, começou a participar. Coisa que nós começamos a fazer em 2013 e que não tinha tanta ressonância e, hoje, a cidade de Cariacica, por ter começado em 2013, está a a passos largos muito à frente de praticamente todas as cidades do Brasil. Cariacica é a primeira cidade do Estado e a segunda do Brasil a aderir as 10 medidas de combate à corrupção, de coletar as assinaturas, que eu tenho pedido inclusive para levar às igrejas para coletar as assinaturas para encaminharmos ao Congresso Nacional. Assim que o Congresso tiver as assinaturas e toda essa pressão, terá que transformar em lei. Quando isso acontecer, será melhor ainda. Coisa que a gente não tinha antes. E aqui em Cariacica, na Prefeitura, nós adotamos a partir de 2014 a declaração feita online. Como é isso? Hoje todo o ano eu tenho que colocar os meus bens que eu adquiri naquele ano, eu coloco no ano seguinte. Para a gente controlar o crescimento financeiro não só do prefeito, e do vice-prefeito, que é um pastor, o Bruno Polez. Não apenas dos secretários, mas de todos os servidores. Esse foi o primeiro caso do Brasil, tanto que o Governo Federal veio aqui nos copiar. A Procuradoria Geral da União esteve aqui para ver como funciona, e para levar para o Governo Federal, porque lá é como era aqui. Lá é assim, você declara quando você entra no cargo e depois quando sai. Então se você ficar oito anos, nos anos que você tiver após a sua entrada, ninguém tem controle de nada. Nós agora mudamos, e essa nossa mudança é anual. Então você consegue ver quem é que está adquirindo bens. Como que está conseguindo com aquele salário. Se é compatível ou não. E agora, em 2016, aqui em Cariacica começaremos a cruzar com os dados do Detran e com os dados do Cartório de Registro Geral de Imóveis. Então as pessoas que adquirirem o bem e que não declararem, a gente vai conseguir pegar. Em tudo isso, estamos trabalhando de forma muito coerente. Não estamos aqui para perseguir ninguém, mas para demonstrar transparência. Eu também tenho que fazer a minha declaração, e se fizer, acusa no sistema e no portal da transparência da Prefeitura, qualquer cidadão tem acesso para saber se o prefeito declarou ou não. O que não aparece são os nossos bens, porque isso é uma privacidade que todo cidadão tem direito. Mas se os órgãos controladores solicitarem é obrigado a fornecer, e já está no nosso cadastro. Eu espero que isso transforme a vida de todo mundo. Só alongando um pouco mais a conversa, para as pessoas terem ideia do quanto eu acredito que se a gente conversar mais sobre a corrupção vai melhorar a vida, tem que conversar na escola, tem que conversar na igreja. E não é só conversar mostrando quem é corrupto não, e sim mostrando atos que podem nos levar a corrupção. Assim como foi feito no meio ambiente, há anos atrás, as pessoas eram levadas para o norte do país para desmatar, para desenvolver. Se você não desmatasse não teria aquele pedaço de terra, se você não matasse a caça não era um bom caçador. Hoje vai fazer isso… hoje é o inverso! E as pessoas faziam isso naquela época por determinação do governo, por determinação pública, por uma cultura que era normal fazer, ir para o pantanal para caçar. Hoje mudou completamente, mas por quê? Porque começamos a conversar com as crianças: vamos preservar o meio ambiente; vamos preservar a nascente; não vamos ficar brincando com a mangueira jogando água no outro; não vamos ficar com a mangueira lavando carro. É isso que eu espero para a corrupção. Que quando as pessoas entenderem que você está numa prefeitura e pegar uma caneta e entregar para outra pessoa levar embora seja corrupção! É você chegar e aliciar o outro e falar vote em mim que eu vou te dar, vou levar sua receita e entregar no médico, isso é corrupção! Então quando as pessoas começarem a entender que existem atos normais que achamos que não é, mas que passam a ser corrupção vão saber que quando tiver que ir para uma fila não passar na frente de ninguém, porque se passar é corrupção, então, se não tiver privilégios, será muito melhor.
O senhor é uma autoridade, mas ficaria constrangido se não for convidado para o púlpito da igreja?
O político que não é liderança religiosa, não tem que ficar usando púlpito. O político tem que ser tratado como autoridade, mas lá no meio do povo. Essa é a percepção que precisamos ter. Não me sinto bem quando me chamam ao púlpito para falar. Não sou pastor, não sou diácono, então, sempre fico à margem do púlpito, porque é a demonstração que eu tento dar de forma educada de que eu tenho que estar lá em baixo igual todo mundo. Ser citado como autoridade porque é algo bíblico, mas não ter nenhum tipo de privilégio que o outro membro da igreja não tem. Temos que começar a entender diferente. O prefeito na prefeitura ele tem posição de destaque, o prefeito na igreja ele é um cidadão como outro, que o destaque é a autoridade, não ele porque um dia deixará de ser prefeito.
O seu vice é um pastor. Como é trabalhar tendo um pastor como o seu vice-prefeito?
Muito tranquilo. O Bruno Polez às vezes entra no meu gabinete para orar e oramos juntos. Ele, por ser um servo de Deus, tem momentos em que recebe um chamado e ele vem e me passa algumas coisas. Eu sou muito temente. O Polez chega, bate na porta, e diz: “Juninho, quero falar com você cinco minutos”. Eu já sei, é o momento de orar. Essa é a relação que a gente tem e eu fico muito feliz por isso.
Assisti, numa rede social, um vídeo de uma pessoa elogiando e testemunhando sobre sua postura, dizendo “Isto que é prefeito, que vai lá e interage com o público. Vem num culto que é pequenininho na praça pública e participa”.
Eu nunca provei nenhum tipo de droga, nunca provei nenhum tipo de álcool, e também nunca precisei ir para a igreja para sair de alguma dessas situações que todo mundo costuma falar. Mas se tem um local que eu me sinto muito bem é quando eu estou na igreja, que para mim não se limita nas paredes. Igreja para mim pode ser no meio da rua mesmo. Às vezes eu estou passando e falo com a minha esposa, ah eu vou parar, e vou ali porque eu estou ouvindo a Palavra. Isso me fortalece de uma forma que não tem explicação. Depois a gente prossegue o caminho e vai embora. Então eu acredito muito nisso e acho que se todo prefeito pudesse ser livre como eu sou para estar nos lugares que eu me sinto bem e sem nenhum tipo de preconceito eu acho que seriam mais felizes. A gestão seria ainda mais humana.
As igrejas valorizam a questão da família. Como o senhor se posiciona dentro desse contexto?
Sou prefeito de todos e também sou ser humano, tenho minhas falhas e minhas fraquezas. Então assim, dentro da prefeitura tem culto, dentro da prefeitura tem a Palavra de Deus – a Bíblia, e eu não serei hipócrita de administrar a prefeitura sem os princípios da Palavra de Deus!
O vice-prefeito elogiado pelo prefeito é o pastor evangélico Bruno Polez, natural do Espírito Santo, 41 anos, e que não nasceu num lar evangélico, mas converteu-se ao evangelho e sendo posteriormente ordenado para o ministério de pastor na Igreja Assembleia de Deus. Sempre gostou de vivenciar a política, os bastidores, de conversar com as pessoas e tentar esclarecer onde está o mecanismo de mudança. Tinha plano de ser deputado federal, mas acabou se tornando vice-prefeito de Cariacica. Segundo ele, o prefeito já tinha uma boa aproximação com os cristãos e sua presença na prefeitura gerou uma aproximação maior ainda. “Hoje nós temos as portas do gabinete do prefeito e do vice-prefeito aberta para os cristãos” disse.
Entre os vários projetos, o que mais chama a atenção é essa Gerência Sócio-Religiosa que foi iniciativa sua, compartilhando a mesma visão do prefeito.
Pastor Bruno Polez, sendo vice-prefeito do município que tem a terceira maior população do Estado, como o senhor vê o trabalho social que feito pelas igrejas?
O trabalho social feito pelas religiões, sejam protestantes, católicas, ou outras, ninguém mensura, ninguém mede, ninguém fala. Um exemplo é a reportagem de nível nacional que trouxe uma matéria sobre a recuperação de viciados. E na reportagem os melhores resultados e os mais eficazes foram aqueles de trabalhos ligados às igrejas. Foi o único reconhecimento que eu vi até hoje, que as igrejas receberam de algum lugar pelo trabalho que elas fazem.
O que motivou a criação da Gerência Sócio-Religiosa em Cariacica?
Se as igrejas prestam um trabalho tão importante e nunca são reconhecidas e não tem abertura, por que não criar uma abertura, um canal, ou um link com a administração pública? Então o foco é esse, criar um link. Foi esse o objetivo. As igrejas, as religiões não são reconhecidas. É o momento de a gente reconhecer que elas têm um valor e que contribuem para o município. Muita coisa que quem deveria fazer é o ente público, e quem faz são as igrejas. Quantas comunidades terapêuticas temos aqui em Cariacica? Vamos supor que nós temos umas cem. Noventa e cinco delas são ligadas a igrejas! A igreja exerce um trabalho tão fantástico na sociedade e nunca é dado o devido valor. Então a intenção foi essa, construir um link do poder público com as igrejas entendendo que elas têm uma contribuição social muito grande que tem valor e que tem que ser ajudada naquilo que o poder público puder dentro dos limites legais para que elas possam continuar a exercer mais ainda esse papel.
O senhor tem conhecimento de outra prefeitura que implantou essa gerência, e quais religiões são contempladas?
Cariacica/ES é pioneira entre os mais de cinco mil e seiscentos municípios brasileiros, e dentro da conjuntura de um Estado laico, essa gerência não pode ser exclusiva para as instituições evangélicas, ou de uma religião específica. O Estado é laico, então nós não podemos discriminar ninguém, então todas as religiões são contempladas.
O que levaria um líder religioso buscar o apoio dessa gerência?
Demandas sociais, demandas das igrejas. A gerência se tornou um canal de entrada. Se tem um projeto que já funciona, mas não tem uma estrutura, o líder comparece e apresenta à gerência que vai analisar no que pode ajudar dentro dos caminhos legais. Se precisar resolver um problema de IPTU, problema de planta da igreja, aqui será orientado sobre o que deve fazer, onde deve ir. A gerência tem o papel de acompanhar esses processos. É um canal de relacionamento para facilitar a vida das religiões nas demandas com o poder público.