Por Daniel Buanaher
Num conto que nunca veio a público acontece o seguinte: uma mulher, em fase terminal de doença, pede ao marido que lhe conte uma história para apaziguar as insuportáveis dores. Mal ele inicia a narração, ela o interrompe:
– Não, assim não. Eu quero que me fale numa língua desconhecida.
– Desconhecida? – pergunta ele.
– Uma língua que não exista. Que eu preciso tanto de não compreender nada!
O marido se interroga: como se pode falar uma língua que não existe? Começa por balbuciar umas palavras estranhas e sente-se ridículo como se a si mesmo desse provas da incapacidade de ser humano. Aos poucos, porém, vai ganhando mais à-vontade nesse idioma sem regra. E ele já não sabe se fala, se canta, se faz oração.
Quando se detém, repara que a mulher está adormecida, e mora em seu rosto o mais tranquilo sorriso. Mais tarde, ela lhe confessa: aqueles murmúrios lhe trouxeram lembranças de antes de ter memória. Lhe deram o conforto desse mesmo sono que nos liga ao que havia antes de estarmos vivos.
Quando eu vim ao Brasil, eu experimentei esse idioma, o idioma do caos. Embora eu falasse um “pouquinho” de português pt, sentia (e muito) que havia um ruído de comunicação gritante. Mas o elegante da situação é que embora houvesse essa situação, era gostoso estar imerso no diferente, numa cultura distinta da minha e num ambiente que era gostosamente amistoso a mim.
Acho que essa é uma das bênçãos do cristianismo: não é uma Torre de Babel, é um pentecoste onde, embora haja diversidade cultural, as pessoas entendem umas às outras. E vivem como irmãos.